Mulheres feministas participaram do ato na frente da Camara |
Ato contou com a
participação de 110 entidades, dentre elas o Sindicato dos Psicólogos de São
Paulo
Vai ter gênero sim nas escolas! Foi com essa
concepção que o ato político “Respeito se Aprende na Escola” aconteceu na noite
da quarta-feira, 5 de agosto, na Câmara Municipal de São Paulo. Convocado pela
vereadora Juliana Cardoso e com iniciativa de diversos movimentos sociais, o
ato teve como objetivo repudiar as manifestações de intolerância, de cunho
fundamentalista, na votação do Plano Municipal de Educação de São Paulo, o PME.
Do Sindicato dos Psicólogos
“Estamos aqui pelo posicionamento contra setores
conservadores que querem impedir o avanço nas conquistas de direitos. Vivemos
em uma democracia. Não deixaremos que ela seja atacada”, afirmou a vereadora,
na fala de abertura da mesa.
Com a participação de 110 entidades, dentre elas o
SinPsi, o evento lotou o salão nobre da casa legislativa, comprovando a força
da resistência à ação reacionária da retirada dos termos “gênero”, “orientação
sexual” e “diversidade” do texto final do PME. A mobilização para o dia 11,
quando haverá nova votação to texto, foi bastante debatida na ocasião, bem como
o termo “ideologia de gênero”, criado pelos conservadores – com destaque para a
Igreja Católica – para desqualificar e atacar a luta da população LGBTT por
direitos civis.
Sendo assim, a Irmã Ivone Gebara, conhecida teóloga, fez uma fala carregada de indignação:
Sendo assim, a Irmã Ivone Gebara, conhecida teóloga, fez uma fala carregada de indignação:
"A expressão ‘ideologia de gênero’ é enganosa
e perigosa. Gênero é muito mais do que a realidade homem e mulher. Hoje tem uma
conotação que não tinha anos atrás. É preciso contextualizar o significado das
palavras de acordo com sua época”, analisou a religiosa, afirmando que
“gênero”, nos dias atuais, deve expressar a sexualidade humana.
Sobre o posicionamento da Igreja Católica, que
impediu a participação de alguns párocos convidados para o ato, Irmã Ivone foi
enfática:
“As pessoas que ocupam postos na Igreja não podem
afirmar que o sexo com que nascemos se dá conforme a vontade de Deus. As
famílias não são essa idealização romântica que a Igreja faz", disse.
Contra a censura
O PME (PL 415/2012) cria diretrizes para os
próximos dez anos. O projeto substitutivo, apresentado em junho pela Comissão
de Orçamento e Finanças da Câmara, alterou pontos fundamentais do documento
validado pela Comissão de Educação em 2014. Para os educadores, algo que fere a
relação entre escola e família.
“Existe uma tensão entre educar, que é tarefa
privada, de responsabilidade da família, e ensinar, que é tarefa pública, de
responsabilidade da escola. Cabe aos educadores reconhecer a legitimidade do
termo ‘gênero’ para saber trabalhá-lo na escola”, explicou a educadora Claudia
Vianna, cujo trabalho tem ênfase em Política Educacional, Relações de Gênero e
Diversidade Sexual.
Rogério Giannini, compondo a mesa, ressaltou a
importância de estar na luta e no processo de organização do evento
representando o SinPsi, que há muito tempo tem feito uma discussão da ideia do
compromisso social da Psicologia, principalmente pela atuação de psicólogas e
psicólogos nas políticas públicas, como forma de prestar serviço à sociedade
brasileira.
“Primamos por uma escola ampla, laica, inclusiva,
libertária, formadora e transformadora. E não dá pra fazer nada disso
começando-se com censura. O que temos nessa proposta de retirada de termos do
PME é algo que nos causa horror, é censura ao debate de gênero nas escolas. E
isso nenhuma contribuição vai dar ao processo da qualidade do ensino. Então,
contra a censura, por uma escola realmente transformadora, o SinPsi também está
nessa luta”, sustentou Giannini.
Como o discurso religioso ataca também a
emancipação da mulher, propondo a perpetuação do machismo e da misoginia dentro
das instituições de ensino, a Secretária Municipal de Políticas para as
Mulheres, Denise Motta, defendeu uma escola que debata, acolha e respeite a
igualdade entre mulheres e homens, além do direito às diferenças.
“Precisamos de uma educação igualitária, que
envolva espírito crítico em relação à diversidade sexual. Essa é a sociedade do
bullying, do estupro, do machismo, do racismo. Se não houver respeito com a
diversidade sexual, isso só tende a piorar”, salientou.
A estudante Vitória, representando o movimento
LGBTT nas escolas, compartilhou com os presentes a experiência de passar pela
difícil fase da adolescência consciente de sua orientação homoafetiva.
“Eu, Vitória, estudante do ensino médio, lésbica, digo: Não é que eu queira o debate de gênero nas escolas. Eu preciso do debate de gênero, para sobreviver, porque eu estou exposta à violência cotidiana no ambiente escolar”, afirmou.
“Eu, Vitória, estudante do ensino médio, lésbica, digo: Não é que eu queira o debate de gênero nas escolas. Eu preciso do debate de gênero, para sobreviver, porque eu estou exposta à violência cotidiana no ambiente escolar”, afirmou.
Tempos difíceis
O coordenador do núcleo Sexualidade e Gênero, do
CRP/SP, Luís Saraiva, saudou os companheiros do coletivo Respeito se Aprende na
Escola, que se reúne semanalmente na sede do CRP, criando estratégias de
enfrentamento ao que Saraiva nomeou de “mais um dos absurdos que temos vivido
nos tempos atuais”.
“Vivemos tempos difíceis, marcados por uma volta
conservadora, que tem colocado em xeque diretos que nos pareciam consolidados.
Nossas escolas, hoje, produzem sujeitos incapazes de serem empáticos e
solidários à existência do outro e que buscam exterminar as diferenças”,
advertiu Saraiva.
Segundo o conselheiro, a tal “ideologia de gênero”
vem carregada com ares científicos, mas de uma ciência que não se sabe qual é,
que fala em nome da Psicologia, mas não se sabe de qual Psicologia ela traz
seus argumentos.
“Naturaliza que nós somos homens ou mulheres de
acordo com as nossas genitálias, de acordo com os nossos genes, nossos
hormônios, que determinam lugares existenciais, lugares que autorizam homens a
agredirem mulheres e heterossexuais a espancarem a população LGBTT nas ruas
dessa cidade”, criticou.
O ato político terminou com depoimentos
emocionantes de travestis e transexuais, que mostraram toda a necessidade da
discussão sobre gênero desde a idade escolar. Foram depoimentos de uma vida
cercada pelo preconceito vivido desde pequenos, o que acabou por desestimular
muitos a concluírem o ensino médio, devido à tamanha violência legitimada pelos
padrões religiosos e sociais a que estiveram submetidos no ambiente escolar.
Vale reproduzir aqui fragmento de matéria do portal
Jornalistas Livres, que também marcou presença no ato Respeito se Aprende na
Escola:
“A comunidade T, uma das populações mais
vulneráveis do planeta, vem se emponderando e tomando consciência de que é no
embate político que se conquista a garantia de respeito aos seus direitos
civis, ocupando os espaços públicos das ruas e conquistando na raça sua
cidadania. A presença de travestis e transexuais num dos centros decisórios de
poder como a Câmara Municipal de São Paulo, cobrando daqueles que deveriam
representar os anseios de toda a população, e não somente dos que já tem espaço
e direitos assegurados pela cultura cisheteronormativa, marca a mudança de
paradigmas que a nossa sociedade tem que encarar para construir um futuro mais
democrático e inclusivo.
Por um Brasil com mais justiça social e menos
discursos de ódio de fundamentalismo religioso.”