Arte da Arquidiocese de São Paulo |
Por Márcia Brasil
Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal e arcebispo
emérito de São Paulo, foi símbolo de luta pelos mais humildes e resistência
contra a ditadura no Brasil. Durante os 28 anos, na Arquidiocese de São Paulo, a
segunda maior do mundo, com cerca de 7,8 milhões de fiéis, perdendo apenas para
a da Cidade do México, dom Paulo Evaristo Arns foi uma das mais expressivas
lideranças religiosas do Brasil.
Lula, acompanhado por Paulo Vanuchi, a vereadora Juliana Cardoso, foi homenagear um amigo. Foto: Mauro Calove |
Lula compareceu ao velório de Dom Paulo, e lamentou que o arcebispo, defensor dos direitos humanos, símbolo da resistência na luta contra a ditadura, não recebeu o Prêmio Nobel da Paz, na época (1989) a honraria foi para o tibetano Dalai Lama. O ex-presidente esteve ao lado do Cardeal durante muitas manifestações em defesa dos pobres e da classe trabalhadora.
"Ele
teve a coragem de se pronunciar, ele teve a coragem de receber gente que
ninguém queria receber, ele teve a coragem de denunciar o que ninguém tinha coragem de
denunciar. Quando a imprensa estava calada, quando
a imprensa estava de acordo com o regime militar, tinha uma voz que gritava ao
mundo: era D. Paulo."
Paulo Evaristo Arns
nasceu em Forquilhinha – 14 de setembro de 1921 –, interior de Santa Catarina,
mas foi nomeado arcebispo de São Paulo, em 1970. Logo que assumiu o cargo de
arcebispo da cidade, em 1970, vendeu o Palácio Episcopal por 5 milhões de dólares
e empregou o dinheiro na construção de 1.200 centros comunitários na periferia.
Impressionou o país e o mundo pelas suas atividades em defesa dos direitos
humanos durante o período da ditadura militar, quando combateu a intransigência
do regime militar e agiu em favor das vítimas da repressão.
Três
anos depois, foi proclamado cardeal pelo papa Paulo 6º. Durante os anos de
chumbo, o cardeal combateu a ditadura e as desigualdades sociais. Já recebeu
mais de 30 prêmios e certamente figura entre os que mais contribuíram por um
mundo melhor. Criou a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, que denuncia até
hoje casos de tortura e assassinatos cometidos pelo regime militar, dando
apoio às vítimas.
No
ano de 1975, celebrou na Catedral da Sé – junto com o rabino Henry Sobel e o
reverendo protestante James Wright – um culto ecumênico em função da morte do
jornalista Vladimir Herzog.
O
cardeal intercedeu no episódio que ficou conhecido como Chacina da Lapa, em
1976, quando parte da direção central do PCdoB foi atingida pela repressão
matando três integrantes: Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond.
O objetivo da ditadura era dar fim ao núcleo dirigente do partido, que conseguia sobreviver minimamente e comandou a maior resistência armada ao regime: a Guerrilha do Araguaia. Por conta de um delator, Jover Telles, membro do PCB, localizaram o grupo que se reunia na Rua Pio XI, na Lapa. A atuação de Dom Paulo pela defesa dos direitos dos presos políticos e a pressão que exercia no regime militar evitou que outros militantes fossem mortos.
Dom Paulo atuante em favor da classe operária realiza velório de Santo Dias na catedral da Sé. Documentário da Comissão da Justiça e da Verdade *
A morte do
metalúrgico foi anunciada por vários veículos de comunicação. No dia 31 de
outubro, 30 mil pessoas saíram às ruas de São Paulo para acompanhar o enterro e
protestar contra a morte do operário. "Era como se Santo Dias fosse uma
pessoa marcada, porque participava das comunidades de base e porque era muito
respeitado no sindicato.
O corpo de Santo foi velado na Igreja da Consolação e levado para a Catedral da Sé, na região central. "Não é certo que a violência arme a mão de outro pobre para terminar com a vida de Santo, não é certo que andem armados policiais que se vão encontrar com o povo de braços cruzados, não é certo que haja dois pesos e duas medidas, uma para o patrão, outra para o operário", afirmou, durante a cerimônia, o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns.
Santo
Dias foi levado já sem vida pelos policiais para o Pronto-Socorro de Santo
Amaro. Sua esposa entrou à força no carro que transportava seu corpo para o
Instituto Médico Legal (IML), o que, para ela, foi o gesto que impediu que seus
restos mortais desaparecessem, como era comum com adversários políticos da
ditadura. "Eles queriam sumir com o corpo para não ficarem com a culpa,
mas nós não estávamos sozinhos. Tivemos muita coragem e enfrentamos os
militares e toda a repressão que estava ao nosso redor naquele momento",
lembra Ana Maria.
Na catedral da Sé, metalúrgicos e operários se manifestaram contra a morte de Santo Dias. Arquivo memória. |
O corpo de Santo foi velado na Igreja da Consolação e levado para a Catedral da Sé, na região central. "Não é certo que a violência arme a mão de outro pobre para terminar com a vida de Santo, não é certo que andem armados policiais que se vão encontrar com o povo de braços cruzados, não é certo que haja dois pesos e duas medidas, uma para o patrão, outra para o operário", afirmou, durante a cerimônia, o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns.
Corpo de Santo Dias foi velado em 31 de outubro (1979) na igreja da Consolação e levado até a catedral da Sé, no centro de São Paulo. Cerimônia foi celebrada por dom Paulo Evaristo Arns. Arquivo |
Dom Paulo defendia os líderes sindicais nas greves, apoiou a campanha contra o desemprego e o movimento pelas eleições diretas. Sua luta em defesa dos direitos dos pobres e pelo fim da desigualdade social lhe valeu dezenas de prêmios no mundo: título de doutor honoris causa em universidades dos Estados Unidos, Alemanha, Canadá e Holanda; prêmio do Alto-Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (1985), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), entre outros. É o primeiro e único brasileiro com chances reais de ser eleito para ganhar o Nobel da Paz. Perdeu para o Dalai Lama, em 1990.
O
arcebispo foi muito perseguido, pela intervenção e coragem em denunciar o
fascismo. Pelas costas era chamado de “bispo vermelho”, de “subversivo”. Em
1973, por apoiar as mulheres que reclamavam da carestia, recebeu um “castigo”
duro: os militares cassaram a rádio 9 de Julho, da Arquidiocese (que foi
devolvida, neste ano, no meio de muita festa). O jornal O São Paulo foi o último
a deixar de ser censurado no país, em 1978. Foi ele quem criou a Comissão
Justiça e Paz de São Paulo, que por muito tempo teve os telefones grampeados.
Dom
Paulo também foi um dos representantes da Teologia da Libertação na América do
Sul. “O fato de fazer da libertação um modo de vida e um estilo de diálogo foi
mais que um discurso ou um slogan. Defendeu a todos sem distinção de credo ou
ideologia. E soube, sempre, ouvir com serenidade. Seu valor fundamental foi
dizer a palavra correta na hora necessária”, reforça Altemeyer. Para
Leonardo Boff, o religioso representa o símbolo da “consciência e justiça
social, um verdadeiro cardeal dos pobres”.
Com
a finalidade de fazer a Igreja estar presente em todos os meios de comunicação.
Em 1992, Dom Paulo criou o Vicariato Episcopal da Comunicação.
Pediu
demissão do cargo de cardeal-arcebispo em 1998, como determinam as normas da
Igreja. Incentivando a integração entre padres, religiosos e leigos, criou 43
paróquias e apoiou a criação de mais de 2 mil Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) nas periferias da metrópole.
Ao
completar 90 anos no dia 14 de setembro 2011, Dom Paulo Evaristo Arns foi
lembrado como “a voz dos que não tinham voz” e um representante “incansável na
defesa dos direitos humanos”. Jornalista não-profissional registrado na 14º
Delegacia Regional do Trabalho de Petrópolis (RJ), em 1961, e empossado como
jornalista militante pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entre 1979 e
1985, coordenou com o Pastor Jaime Wright o projeto “Brasil: Nunca Mais”,
contra a tortura.
No dia 12 de dezembro, no
auditório do Ibirapuera o nome de Dom Paulo Evaristo Arns homenageou outro símbolo da resistência, na premiação concedida pelo 3o ano. Neste, ano a premiação foi para o Padre Jaime Crowe, que lutou contra a
ditadura, em favor dos trabalhadores, junto com Santo Dias, mantem ações constantes na periferia com projetos em defesa dos direitos
humanos. Sua ação permanente no distrito Jardim Ângela, considerada nos anos 90 pela Unesco a região mais violenta do mundo, desde aquela época Padre Jaime realiza o Fórum
em Defesa da Vida, organizada pela sociedade Santos Mártires no mesmo bairro,
onde se localiza a paróquia que celebra as missas, e, anualmente, com a
população, várias entidades e movimentos sociais celebram a Caminhada pela Vida e da Paz, no dia de finados. A caminhada que já está em sua 21a edição, apela e luta contra a violência
e o genocídio da população negra, periférica, pobre e indígena.
Movimentos de moradia, lideranças, sindicalistas, parlamentares e trabalhadores se despediram do Arcebispo. Foto: Mauro Cavolare |
Dom Paulo Evaristo Arns faleceu, por falência múltipla dos órgãos, devido a uma pneumonia, dia (14), em São Paulo, aos 95 anos.
Com
informações da Arquidiocese de São Paulo, Comissão da Justiça e da Verdade,
Rede Brasil Atual.
* Vídeo documentário: SANTO E JESUS,
METALÚRGICOS (1984), direção: Cláudio Kahns e Antônio Paulo Ferraz - Com cenas
extraídas do documentário BRAÇOS CRUZADOS, MÁQUINAS PARADAS, produzido em 1979
e comentado no capítulo 2, sobre as greves dos metalúrgicos de São Paulo nos
anos 1978 e 1979, este documentário de 52 minutos conta a história de dois
operários assassinados, um pelo patrão e outro pela polícia, naqueles anos
turbulentos de luta entre a diretoria pelega, ligada à ditadura desde 1964, e a
crescente oposição sindical.